domingo, 16 de novembro de 2014

O MEU AVÔ DOMINGOS JOANES - o Cavaleiro de Oliveira do Hospital (1ª Parte)

O meu bisavô materno Joaquim Manuel de Campos Amaral, nasceu em S. Paio de Gramaços, Oliveira do Hospital. Terra de lendas e heróis com feitos que remontam ao inicio da nacionalidade.

Um desses heróis foi Domingos Joanes o Cavaleiro de Oliveira do Hospital. A sua descendência é conhecida e Joaquim Manuel de Campos Amaral é seu 21º neto. A roda do destino dá muitas voltas e frequentemente retorna ao ponto de origem. O avô Joaquim partiu de Oliveira do Hospital para o Brasil, com apenas 11 anos. No Rio de Janeiro fez fortuna, casou com a avó Luciana e constituiu família. A avó Nanda, a terceira de seus sete filhos e a última das minhas avós cariocas, casou no Rio com um médico açoriano, o avô Herculano, com o qual regressou ao país dos seus antepassados. A filha de ambos, Maria Luísa, minha mãe, nasceu em Lisboa onde sempre viveu e onde conheceu e veio a casar com meu pai, João Alexandre de Oliveira, natural de Currelos, Carregal do Sal, concelho vizinho do de Oliveira do Hospital, também ele descendente do cavaleiro Domingos Joanes.

Para contar a história de Domingos Joanes, temos de recuar no tempo, até aos primórdios da nacionalidade. Por volta de 1120, D. Teresa, mãe do primeiro rei de Portugal, doou à Ordem do Espital de S. João de Jerusalém umas terras entre as aldeias de Sampaio de Garamácios (S. Paio de Gramaços) a Oeste e a da Bonadela (Bobadela) a Oeste, junto a um pequeno povoado, numa região pantanosa, conhecido por Ulveira (do latim “ulvária” derivado de “ulva” – vegetação lacustre).

A Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém, era uma das três Ordens Militares que foram fundadas na cidade Santa após a sua conquista pelos cruzados a 15 de Julho de 1099. Eram elas  a do Hospital, a do Templo e a do Santo Sepúlcro. Após a reconquista da cidade Santa pelos árabes, passou a ser conhecida apenas por Ordem do Hospital, tendo adoptado também a designação dos locais onde se foi fixando ao longo dos tempos. (Ordem de Acre até 1310, de Rodes até 1522 e desde 1530 até à actualidade tem sido conhecida por Ordem de Malta, apesar da sua sede já não ser naquela ilha desde 1793).

Ainda no decurso do reinado de D. Afonso Henriques, a aldeia de Ulveira foi adquirindo um papel cada vez mais importante por acção da Ordem do Hospital, rivalizando com a vizinha aldeia de Garamácios onde residia D. Chavão ( Domnus Flavianus), rico homem, representante do Rei nas terras de Seia e avô do Cavaleiro de Oliveira, Domingos Joanes(1). Ainda no século XII é construída a Igreja. É também por essa  altura que a aldeia de Ulveira adopta a designação de “Ulveira do Espital” para se destinguir de outros dois povoados com idêntica designação e relativamente próximos, S. Miguel de Ulveira (actualmente Vila Nova de Oliveirinha) e Ulveira do Conde (actualmente Oliveira do Conde), refletindo assim o poder crescente da Ordem do Hospital na região. Os trabalhadores das terras da Ordem estavam isentos de contribuições para o erário régio, contribuindo apenas com os foros que lhes eram devidos, para a Ordem.

Nas inquirições de D. Dinis (1288) a paróquia é referida como “Parrochia sancte crucis de Ulvaria do Espital”, título pelo qual ainda hoje é conhecida. A festa da exaltação da Santa Cruz comemora a restituição feita pelos persas, da cruz do redentor, no século VII e a sua deposição no Templo do Monte Calvário.

Domingos Joanes terá vivido no final do século XII, princípio do século XIII. Era neto do dito D. Chavão. Foi como cavaleiro da Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém, em terras de França, que adquiriu a fama e prestígio que alicerçaram a sua ascensão social. Foi senhor de Touriz  e dos direitos reais da Esgueira e de outros povoados na comarca de Riba-Côa. Ao tempo de D. Afonso II instituiu o morgado que hoje se chama de Touriz e fundou uma capela na Igreja de Stª Cruz em  Oliveira do Hospital (Igreja matriz). A sua morte terá ocorrido por volta do ano de 1241(2).

A capela funerária que mandou construir para ser sepultado, juntamente com sua mulher, de origem francesa, D. Domingas Sabachais, e em particular o conjunto escultórico que encomendeu a Mestre Pero, é uma afirmação clara do seu estatuto e reflecte bem a necessidade de legitimação da sua ascensão social.

A Capela dos Ferreiros, como é conhecida, é um dos mais importantes espaços funerários góticos nacionais. Não tanto pela arquitectura do espaço, mas antes pelo importante acervo escultórico e por se tratar de uma das poucas capelas sepulcrais baixo-medievais de iniciativa privada que chegaram aos nossos dias.
"Quem quiser ver a Idade Média ao natural venha aqui a esta espantosa capela dos Ferreiros. A cavalaria, a religião e o amor, tudo na sua pureza natural"                                                                                                                           Miguel Torga

Capela dos Ferreiros, capela medieval, anexada pela Igreja matriz, barroca, de Oliveira do Hospital
A tília centenária junto à Capela dos Ferreiros - Oliveira do Hospital (2014)
José Paulo Amaral Rocha de Oliveira 23º neto de Domingos Joanes junto ao óculo da Capela dos Ferreiros - Oliveira do Hospital (2014)

A capela medieval, classificada como monumento nacional desde 1936, está adossada à barroca Igreja matriz de Oliveira do Hospital e vem assim descrita no site do IGESPAR:
“A capela é um espaço rectangular mal iluminado e cujas características construtivas revelam a manutenção dos arcaísmos com que a arquitectura gótica portuguesa (em particular a do reinado de D. Dinis) é maioritariamente avaliada. "Com pouco mais de 6,50m por 3,50m, e uma cobertura de berço quebrado e contínuo" ("A arquitectura gótica portuguesa"; Dias, P; Lisboa 1994, p.98), é uma massa edificada compacta, com grandes silhares de granito e iluminada por dois pequenos óculos quadrilobados, abertos na fachada lateral Sul. Uma fresta, localizada axialmente no alçado do lado nascente, iluminaria originalmente o espaço, mas a posterior ligação Sul à igreja determinou a perda de função deste elemento”.
O notável conjunto escultórico existente no interior da capela, constituído por duas arcas tumulares, uma escultura equestre e um retábulo revela uma “actualidade de gosto e um desafogo económico pouco comum no panorama nacional da primeira metade do século XIV” (IGESPAR). Todas as esculturas são em Calcário branco, facilmente moldável, proveniente de Ançã-Portunhos e transportado em blocos para Oliveira do Hospital, para aí serem esculpidas.

O seu autor, Mestre Pero, foi um notável escultor aragonês que passou a Portugal no reinado de D. Dinis por altura do seu casamento com D. Isabel de Aragão e cujo trabalho constitui um marco de viragem na escultura portuguesa.

Das obras de mestre Pêro e da sua oficina Coimbrã destacam-se o túmulo do arcebispo D. Gonçalo Pereira,na Sé de Braga e o túmulo da Rainha Santa, no Mosteiro de Santa Clara a Nova em Coimbra, entre outras. O Museu Machado de Castro em Coimbra e o Museu de Arte Antiga de Lisboa têm no seu acervo algumas suas obras.

Duas das obras mais importantes de Mestre Pero são, o túmulo do Arcebispo D. Gonçalo Pereira, na Sé de Braga (em cima) e o túmulo da Rainha Santa Isabel (em baixo). Este último foi esculpido e colocado no Mosteiro de Stª Clara-a-Velha. No século XVII, mais precisamente em 1677, é feita a trasladação do corpo da Rainha Santa, para o Mosteiro de Stª Clara-a-Nova, para um novo túmulo-relicário, trabalho esplêndido da ourivesaria nacional dos mestres Domingos e Miguel Vieira. O Túmulo original, obra de mestre Pero também foi levado para o novo Mosteiro, onde pode ser admirado no coro baixo da Igreja. Trata-se de uma monumental obra de escultura, onde se destaca a estátua jacente da Rainha Santa representada com o hábito e adereços de peregrina  mas também com os atributos que realçam a sua condição de Princesa de Aragão e Rainha de Portugal. 

Na Capela dos Ferreiros de Oliveira do Hospital, o retábulo gótico, por cima do altar, é constituído por cinco esculturas em baixo relevo, alinhadas. Ao centro e de maior dimensão, temos a Virgem com o Menino, ladeada por duas figuras menores, representando Domingos Joanes e sua mulher em prece, levados a Nossa Senhora pelos dois anjos. Estes, assim como o sol e a lua reforçam a presença do casal no reino dos céus, sob a proteção de Nossa Senhora. Todo o conjunto apresenta sinais de policromia e legendas identificando as imagens ou glorificando Cristo.
 Por cima do retábulo e enquadrada por um nicho, encontramos nova representação da virgem com o menino. É a imagem de maiores dimensões de todo o conjunto, apresentando ainda vestígios de policromia. Esta dupla representação da Virgem com o Menino é pouco habitual, reforçando a devoção Mariana de Domingos Joanes e a sua fé na proteção da Virgem.

O retábulo do altar com a dupla representação da Virgem com o menino; Em baixo, a Virgem tem à sua direita Domingos Joanes e o sol e à esquerda Domingas Sabachais com a lua, (símbolo da fertilidade feminina); as imagens mais periféricas representam os anjos que são o elo de ligação com o Reino dos Céus.

As duas arcas tumulares são lisas, assentando sobre leões. As figuras jacentes do fundador e mulher, estão representadas em decúbito lateral, composição que é pouco habitual na estatuária fúnebre nacional. Domingos Joanes com túnica e manto da ordem dos cavaleiros de S. João de Jerusalém, segurando a espada com a mão direita e as luvas com a esquerda e com um cão a seus pés. D. Domingas Sabachais com cabeça coberta por véu também tem um pequeno cão a seus pés. Ambas as figuras são acompanhadas por um anjo e no túmulo de Domingos Joanes está representado o seu escudo de armas com a cruz de Santo André e quatro flores de Lis.

Túmulos de Domingos Joanes (à esquerda) e de D. Domingas Sabachais (à direita) - Capela dos Ferreiros, Oliveira do Hospital
O anjo que acompanha ambas as figuras jacentes, elemento protetor e elo de ligação com o Reino dos Céus
O escudo de armas com a cruz de Santo André e quatro flores de Lis, atributos heráldicos de Domingos Joanes
Estátuas jacentes de Domingos Joanes, com os elementos diferenciadores da sua condição (a túnica e manto da ordem dos cavaleiros de S. João de Jerusalém, a espada e as luvas) e de D. Domingas Sabachais com a cabeça coberta por véu

Na parede de cabeceira das arcas tumulares e assente numa peanha de pedra está a famosa estátua do cavaleiro de Oliveira, uma das raras esculturas medievais que se conhece em Portugal, sem carácter religioso e/ou funerário.

Estátua equestre de Domingos Joanes o Cavaleiro de Oliveira do Hospital 
(a estátua original encontra-se exposta no Museu Machado de Castro em Coimbra)
Parede de cabeceira das arcas tumulares com a estátua do Cavaleiro de Oliveira assente numa peanha de granito

O simbolismo iconográfico da representação do casal nas diferentes peças escultóricas  da capela, tem uma clara intenção de sublinhar a necessidade de afirmação pessoal, social e religiosa de Domingos Joanes

O escudo de armas com a cruz de Santo André e quatro flores de Lis, atributos heráldicos de Domingos Joanes, é um elemento de diferenciação e de identificação da respetiva linhagem. O elmo, a cota de malha, o escudo de armas, a espada embainhada, a maça de armas na mão e os sapatos de bico com polainas e esporas, são os atributos militares que evocam a função guerreira do cavaleiro pertencente à nobreza. A exaltação dos valores religiosos no retábulo, confere ao cavaleiro, a necessária dimensão mística tão ao gosto da espiritualidade medieval.

O Cavaleiro é o símbolo de Oliveira do Hospital. No início do século XX a estátua foi levada para o Museu Machado de Castro em Coimbra, tendo sido substituída por uma réplica. Já na segunda metade do século XX, numa das rotundas da cidade foi colocada uma outra estátua do Cavaleiro de Oliveira, reinterpretação contemporânea do escultor António Duarte.

Estátua equestre de Domingos Joanes, da autoria de António Duarte, em Oliveira do Hospital

Dois dos seus descendentes, entre outros, foram personagens importantes da nossa história, Frei André do Amaral (seu 5º neto) e Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (seu 13º neto). 


Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal
(Coimbra 1699; Pombal 1782) - 13º neto de Domingos Joanes

Mencionarei apenas Frei André do Amaral, por ser menos conhecido , apesar de ser um dos filhos ilustres de Oliveira e também porque a inquirição da sua linhagem feita no reinado de D. Manuel, confirma a sua descendência, assim como a de suas irmãs, de Domingos Joanes. Viveu no reinado de D. Manuel I e foi cavaleiro da Ordem do Hospital, honrando a memória do seu ilustre antepassado. Foi Chanceler de Rodos (à época era aí a sede da Ordem) e embaixador do Grão–Mestre. 

A 7 de Fevereiro de 1514, “em conta dos serviços prestados não só a el-rei, como a Deus e à Religião, quando como capitão da armada dos cristãos, tomou e desbaratou a armada do Turco que ia carregar de madeira para as galés e navios do Sultão, destinados a danificar as armadas e coisas da Índia, é nomeado conselheiro d'el-rei com todas as honras e graças, privilégios, mercês e franquezas inerentes aos do Conselho Régio (Chancelaria de D. Manuel I, liv. 11, fl. 6). Ainda no mesmo mês, mais precisamente a 27 de Fevereiro de 1514, D. Manuel I concede o foral à Vila de “ulveira do Espital”.


A 27 de Fevereiro de 1514 D. Manuel I concede o foral à Vila de Oliveira do Hospital

Frei André do Amaral fez petição de carta de armas ao rei D. Manuel I, que lhas outorgou a 23 de abril de 1515, após inquirição da sua linhagem, tendo ficado provado que era filho legítimo de Martim Gonçalves do Amaral e de Mécia Dias, neto de Catarina Vicente, trineto de Domingos Joanes.

Na folha 99, verso do livro 11 da “Chancelaria de D. Manuel I” vem referido que: “A Frei André do Amaral, do Conselho d'el-rei, chanceler-mor, embaixador de Rodes, comendador da Vera Cruz, etc.  ……..da linhagem dos Domingos Joanes da Silveira de Oliveira do Hospital, é concedida carta de armas, com seu brasão, com os respectivos privilégios, liberdades, honras, graças e mercês”.


Brasão de Armas de Frei André do Amaral - Aspa de prata em campo azul entre quatro flores de lis de ouro

Em campo azul uma aspa de prata, entre quatro flores de lis de ouro (Amarais, chamados de Touriz). Assim é descrito o brasão de armas de Frei André do Amaral, de acordo com as que se encontram na sepultura de seu antepassado Domingos Joanes na capela dos ferreiros na Igreja de Stª Cruz em Oliveira do Hospital e que foram anotadas por António Rodrigues Portugal, principal rei de armas de D. Manuel I. Foi no seu reinado que, com o objectivo de organizar e regular de forma sistematizada os brasões e insígnias, foi nomeado o primeiro rei de armas de Portugal.

Frei André do Amaral foi nomeado Prior do Crato pela sua Ordem, não chegando contudo  a tomar posse. Foi envolvido numa trama, motivada por rivalidades dentro da Ordem, que levaram à sua acusação e condenação como traidor por alegadamente  ter colaborado com Solimão I na tomada de Rodos pelos turcos. Foi por isso decapitado em 1522.

Voltando à história da minha família falta agora mencionar a descendência documentada de Domingos Joanes até aos nossos dias e que faz de mim seu neto, por via materna e paterna; mas isso fica para a segunda parte...



Bibliografia

(1)  Subsídios para a genealogia de Frei André do Amaral, de Touriz; VASCONCELOS, Manuel Rosado; Lisboa: (Arquivo Histórico de Portugal),1947

(2)  Raízes da Beira -Genealogia e Património da Serra da Estrela ao Vale do Mondego; GONÇALVES, Eduardo Osório; Vol I; ttº "Amarais de Touriz" - 331/346
     Editora Dislivro Histórica 2006